Quem é a pesquisadora da USP e doutoranda que foi deportada da França
Morando em Portugal, Márcia Rodrigues decidiu visitar Paris antes de retornar ao Brasil. Lá, teve o aporte retido e foi deportada
atualizado
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Nascida no Rio de Janeiro e formada em Gestão Ambiental pela Faculdade Anhanguera de Niterói, a estudante Márcia Rodrigues, de 31 anos, que foi deportada da França mesmo estando com o visto válido, estava em Portugal para realizar parte de seu doutorado na Faculdade de Aveiro, em Porto.
Márcia, que estuda Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia/UFAM, realiza o curso na modalidade “sanduíche” – quando o aluno faz uma parcela dos estudos no Brasil e a outra em alguma instituição estrangeira.
Já de volta a São Paulo após ter tido seu aporte retido e ter sido deportada de Paris, a doutoranda também está vinculada ao Laboratório do Museu da Universidade de São Paulo (USP), onde trabalha com material arqueológico em sua pesquisa relacionada à Amazônia.
Ao Metrópoles Márcia explicou que trabalha com um material que, antigamente, era chamado Terra Preta de Índio. Hoje em dia conhecido como Terra Preta Arqueológica, o material é um tipo de solo escuro e fértil encontrado na região amazônica. Ela foi a Portugal porque lá é feito um estudo com um biocarvão que é originário da Terra Preta Arqueológica.
“Eu fui [para Portugal] para poder entender como é que eles trabalham, a fim de trazer isso para o meu trabalho e contribuir para a região amazônica”, explicou.
Apesar de ter sido uma oportunidade de aprendizado relevante, realizar o doutorado na Europa nunca foi um sonho para Márcia. “Quando eu ei para esse edital, eu tive muitos pesadelos. Toda noite eu tinha pesadelo com o tráfico de mulheres”, revelou.
“Porque eu sou uma mulher preta, do estado do Rio de Janeiro. Praticamente todas as minhas experiências com homens europeus não são boas. Porque normalmente eram aqueles caras que achavam que podiam encostar no meu corpo sem minha autorização. Eu sempre fui muito assediada. Não é uma questão de beleza, é uma questão de eles acharem que o Brasil é um lugar de turismo sexual”, desabafou Márcia.
A aprovação para estudar em uma faculdade estrangeira foi comemorada por familiares e amigos. Ainda assim, Márcia não conseguia se acalmar. A estudante explicou que só ficou mais tranquila sobre a viagem quando descobriu que uma amiga de muitos anos estava morando em Portugal. “Eu pensei: ‘Bom, tem uma mulher lá. Eu posso respirar um pouco'”, falou.
“Não era um sonho de consumo. Na verdade, foi o meu pesadelo”, itiu Márcia. Mesmo tendo aprovação para permanecer em Portugal por um ano, a pesquisadora escolheu voltar ao Brasil oito meses depois.
Deportada de Paris
Com dias livres antes do retorno, Márcia decidiu visitar Paris, na França. Seria uma viagem de lazer, mas também para fazer contato com professores da sua área.
Ao chegar ao aeroporto francês, no entanto, foi abordada pelos agentes da imigração e conduzida para uma sala. A brasileira teve seu aporte retido e foi deportada de volta para Portugal, de onde havia partido.
Márcia explicou ao Metrópoles que tinha o visto aprovado pela AIMA, o órgão que autoriza a permanência de estrangeiros em Portugal, e que, segundo as informações do órgão, ela teria direito de circular pelo Espaço Schengen da União Europeia, que inclui a França.
O episódio ocorreu no dia 21 de maio e veio à tona após a doutoranda publicar um vídeo contando as 12 horas que ou nos aeroportos de Paris e de Lisboa.
Veja:
Logo que chegou ao aeroporto francês, a doutoranda foi levada até a sala de imigração, onde estava um policial armado. “Ali eu não pude mais pegar o meu aporte. Todas as vezes que eu tentava, ele [o policial] gritava comigo. Eu levantava do banco, ele gritava comigo. Eu ia pegar o celular para poder usar o tradutor, ele gritava comigo”, contou Márcia.
Na sala, a estudante foi obrigada a um documento que, até essa terça-feira (10/6), ainda não sabe o que era. “Eu não sabia, na hora. Eu só estava com medo. O que eu fiz para sobreviver foi tentar ser amigável. Foi ser política”, explicou. Segundo ela, ao o papel, o policial disse que ela não poderia mais pisar em nenhum país da Europa. “Foi aí que eu entrei em pânico”, lembrou.
Com o documento assinado, Márcia Rodrigues foi escoltada de volta ao avião e mandada para Lisboa. A doutoranda saiu de Porto por volta das 7h40 e só foi liberada do aeroporto de Lisboa, com seu aporte, depois das 19h.
No dia seguinte, a primeira coisa que fez foi ir ao consulado brasileiro em Lisboa para procurar ajuda. “Eu procurei o consulado porque eu estava em pânico, porque ele [policial do aeroporto de Paris] tinha falado que eu não podia pisar em nenhum outro país, e eu tinha uma escala na Alemanha. E os policiais de Portugal, quando eu falei da escala na Alemanha, falaram pra mim: ‘Olha, se você ficou com medo dos policiais na França, na Alemanha é muito pior. Eles são muito mais grosseiros’. Aí, pronto. Eu entrei em pânico”, contou.
Márcia disse que, ainda no consulado brasileiro, seu aporte foi checado pelos agentes, que afirmaram que ela poderia, sim, entrar na França. “Não tinha justificativa para eu ter ado por tudo aquilo”, lamentou. “Eu só quero que eles deem um parecer, porque assim… Outras pessoas também estão fazendo estudo na mesma estrutura que eu. Então, quero que as pessoas possam saber se elas podem transitar e até que ponto”, falou. Ela espera que a França seja coerente em sua resposta e explique se ela realmente não podia entrar no país e justifique o tipo de abordagem.
O retorno de Márcia ao Brasil aconteceu no dia 26 de maio, como estava previsto, e ela realizou a escala na Alemanha. Segundo ela, o consulado disponibilizou um número de emergência e uma equipe que poderia ser enviada se necessário. Mesmo com o respaldo, ela estava em pânico.
Procurada pelo Metrópoles, a Embaixada da França no Brasil não se manifestou. O espaço está aberto para um posicionamento.
Já o Itamaraty informou que, por meio de sua rede consular, o Ministério das Relações Exteriores está à disposição para prestar a assistência cabível a Márcia. “Sugere-se, adicionalmente, consulta às autoridades migratórias sas”, disseram.